A maior parte
da água consumida é usada na indústria, estando a urbanização e a
industrialização associadas a uma maior necessidade deste bem essencial. Dada a
disponibilidade cada vez menor deste recurso em face do crescente
desenvolvimento é de prever um aumento dos conflitos.
Cerca de 70% da água consumida
mundialmente, incluindo a desviada dos rios e a bombeada do subsolo, é
utilizada para irrigação. Aproximadamente 20% vai para a indústria e 10% para o
consumo doméstico. Na competição cada vez mais intensa pela água entre estes
sectores, a agricultura sai quase sempre a perder. Os 1000 metros cúbicos de
água utilizados para produzir 1 tonelada de grãos podem ser utilizados para
incrementar facilmente a produção industrial, sendo os lucros desta actividade
cerca de 50 vezes superiores aos da primeira. Esta relação ajuda a explicar por
que no Oeste Americano a venda dos direitos da água de irrigação para os
centros urbanos pelos fazendeiros é uma ocorrência quase diária.
Além do crescimento populacional, a
urbanização e a industrialização também ampliam as necessidades de água. À
medida que a população rural, tradicionalmente dependente do poço da aldeia, se
muda para prédios residenciais urbanos com água canalizada, o consumo doméstico
pode facilmente triplicar.
À medida que as pessoas utilizam mais
carne, ovos e lacticínios na sua alimentação, passam a consumir indirectamente
mais grãos. Uma dieta num país desenvolvido, rica em produtos pecuários, requer
800 kg de grãos por pessoa por ano, enquanto as dietas em países em
desenvolvimento, tendo por base o amido, como o arroz, caracteristicamente
necessitam apenas de 200 kg. O consumo quatro vezes superior de grãos significa
um igual crescimento no consumo de água.
À medida que aumentam as necessidades de
água pelas cidades e indústrias, elas são supridas pelo desvio de água da
irrigação. A perda de capacidade de produção de alimentos é, então, compensada
pela importação de grãos, um mercado internacional em expansão, principalmente
na África do Norte e Médio Oriente. É a forma mais eficiente de comprar água
para estes países, que enfrentam, em simultâneo, um crescimento populacional
acelerado e a pressão, até ao limite, dos mananciais de recursos naturais.
Se os governos dos países carentes de
água não adoptarem medidas urgentes para estabilizar a população e elevar a
eficiência hídrica, a escassez de água em pouco tempo será transformada em
escassez de alimentos. Existe, ainda, o risco da necessidade de importação de
grãos suplantar a oferta exportável dos países com excedentes, como os Estados
Unidos, o Canadá e a Austrália, e dos países de baixos rendimentos não terem
condições financeiras para importar os grãos de que necessitam, condenando
milhões de habitantes à sede e à fome.
Não é por acaso que o Banco Mundial
alertou recentemente para os motivos da guerra nestas regiões. É que, apesar de
durante este século o petróleo ter estado no cerne das contendas, no futuro
elas deverão envolver a disputa pela água. Existem já alguns exemplos: uma das
razões da longa animosidade entre Israel e a Síria pelas colinas de Golan são
os depósitos de água da região. Mas considerando o cariz particular deste tipo
de disputas, a competição pelo precioso líquido deverá ocorrer através dos
mercados mundiais de grãos. Os países que poderão ganhar esta competição serão
aqueles com maior poder financeiro, não militar.
*Artigo retirado de http://naturlink.sapo.pt/Intervir/Artigos-Praticos/content/A-agua-os-usos-humanos-o-desenvolvimento-e-as-consequencias-da-sua-escassez?bl=1